O golpe do Satélite é a outra face da lista do Fachin
A tomada do poder por Temer e seu bando mudou, numa canetada, a forma de utilização do Satélite Geoestacionário (SGDC) brasileiro, um investimento de mais de 2 bilhões de reais criado para oferecer infraestrutura à comunicação militar e dar pernas ao plano de oferecer internet barata aos brasileiros desconectados.
A lista do Fachin, subsidiária e sucessora das tantas listas do Janot, acabou de enterrar a Nova República, levando de roldão tudo que esta teve de bom e cuja perenidade está em risco: a Constituição Cidadã, a estabilização da moeda, as políticas sociais do PT e a reinserção do Brasil no mundo como player global.
Importante reconhecer que forte razão para este funeral é o fato de as elites políticas, nas três últimas décadas, não terem se comprometido com a radicalização da democracia no nosso país.
Nossa redemocratização, da década de oitenta, avançou na construção de um tardio estado de bem-estar social, mas não se atreveu a recuperar para valer a memória dos anos de treva. Esta complacência, esta atitude conciliatória, deságua na restauração (atualizada) de um modo de fazer política anterior à ditadura. Como observa o novo oráculo Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, “estas coisas remontam ao tempo do meu pai”. São três gerações, pelo menos!
Paradoxalmente, a indisposição política de praticar uma democracia “para além da forma” é hoje responsável pela liquidação do sistema político existente nos últimos trinta anos.
A devastação produzida pela lista do Fachin (que é afinal uma lista de inquéritos a serem abertos) decorre diretamente da maneira como ela vai sendo veiculada. Os tons apocalípticos da cobertura da Globo e da grande mídia condenam os investigados, que sequer são réus. Não há contraditório comparável. A grande mídia cobre o sensacionalismo da ação jurídico-policial, as redes sociais repercutem e o que resulta é o estado de exceção em que vivemos.
Se arrependimento matasse… a bola da democratização da mídia chegou à marca do pênalti mas faltou coragem para meter o gol.
Nesses tempos de “ódio à democracia”, tomando emprestada a dura expressão de Ranciére, a única expectativa de recuperação da civilidade a pela universalização do direito de expressão, pela garantia de equidade na distribuição da informação, pela capacidade de formação de contrapontos, pelo acontecimento de mais encontros na cena comum.
O que implica, de um lado, em explodir a mídia monopolizada e de propriedade cruzada hoje existente. E, de outro lado, em assegurar o o de todos não só à informação, mas, fundamentalmente, à expressão. Circunstância que, diga-se de agem, fará mais pela explosão da mídia monopolizada do que qualquer disposição normativa que hoje se imponha sobre esta.
A esquerda clássica, por razões óbvias, sempre prioriza a agenda econômica; há, é claro, como exceções, os bem-pensantes que se aventuram pelas “superestruturas” jurídicas e institucionais. A cultura sempre foi território dos atrevidos e mal reconhecidos (embora eu não tenha dúvidas de que Oswald e Mário de Andrade tenham contribuído mais para a imaginação da nossa independência nacional do que todos os políticos seus contemporâneos), e a ciência e a tecnologia, feitas as ressalvas de praxe, é o território onde a direita pinta e borda.
É por isso que, em tempos da “delação do fim do mundo”, vai ando de fininho o golpe do satélite.
O estado brasileiro, desequipado materialmente desde a privatização das teles, para intervir estrategicamente na área de comunicação, empenhou-se, nos governos Lula e Dilma em diminuir esta deficiência. Pois até nossas comunicações militares avam pelos satélites privatizados, de propriedade de multinacionais!
Daí a aquisição do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), no qual foram investidos mais de dois bilhões de reais, não apenas para oferecer infraestrutura às comunicações militares (30% da capacidade satelital), mas, fundamentalmente, para dar pernas ao Plano de Universalização de Banda Larga, estendendo a internet, a preços íveis, à metade da população brasileira que ainda está desconectada, majoritariamente, os mais pobres, e os que que moram nas regiões mais distantes dos centros políticos e financeiros do país.
Portanto, 70% da capacidade satelital (banda ka) estaria destinada à implementação de políticas públicas de educação (mais de 35 mil escolas brasileiras não têm internet), de saúde, segurança, governança confiável, e mais, garantir o o à banda larga aos brasileiros e brasileiras que ainda não o tem. Tudo operado pela Telebrás, empresa pública de telecomunicações.
Isso, é claro, antes de entrar em cena o governo golpista de Temer, que muda numa penada a forma de utilização do satélite e lança uma consulta pública (com muitos elementos discutíveis) para conceder 80% da parte civil do satélite a empresas que comercializem o seu uso.
Conhecendo as teles, e bem as conhecemos como usuária de seus serviços, é difícil acreditar que, por seu intermédio, o povo brasileiro sem internet vá, através desta medida, tornar-se o povo brasileiro com internet!
Ainda pior é o estado brasileiro abdicar, nestes tempos de terceirização de tudo, de sua capacidade estratégica de desenvolver, com soberania, uma política pública e nacional de comunicações.
O golpe do satélite, como tantas medidas antipopulares sendo neste momento encaminhadas, é, curiosamente, a outra face da lista do Facchin. Porque é impensável superar o presente golpe sem radicalização democrática. E radicalização democrática se faz com a participação de todas e todos.
Nesta quadra da história brasileira, o direito à internet é tão essencial quanto o direito à segurança alimentar, à educação, à saúde. Privatizar o satélite não é só atentar contra a soberania nacional. É atentar contra a condição de o povo brasileiro se comunicar, se informar, construir pelos seus próprios meios a sua memória, os seus desejos, o seu futuro.
Um atentado à democracia contra o qual lutaremos.
No Congresso. No Judiciário. Aqui, neste canal.
Contando para todo mundo como é que, nas sombras, os golpistas tramam contra a liberdade.