
Conheça Jafar Panahi, cineasta iraniano vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2025
Proibido de filmar por 20 anos, Panahi retorna ao festival francês com obra potente e denúncia contra a repressão iraniana
Por Nara Almeida
“Quando você coloca um artista na prisão, você está dando a ele uma oportunidade, dando a ele material, ideias, abrindo um mundo totalmente novo”, disse Jafar Panahi no Festival de Cinema de Cannes, após ganhar o prêmio principal, a Palma de Ouro, pelo filme “It Was Just an Accident”. O diretor desafia o regime iraniano ao produzir filmes clandestinamente. Sua consagração no festival simboliza a luta do povo iraniano contra a repressão.
O Irã vive sob um regime teocrático autoritário: aqueles que se opõem ao governo são perseguidos e presos. Não existe liberdade de expressão, e as manifestações artísticas são constantemente censuradas. É nesse cenário hostil que Jafar Panahi, aos 64 anos, consolida um cinema político repleto de coragem e subversão.
O longa marca o retorno triunfante de Panahi após sua prisão em 2022, sob a acusação de “propaganda contra o sistema” — sentença originalmente decretada em 2010. Desde então, o diretor estava proibido de dirigir filmes, conceder entrevistas e sair do Irã por 20 anos. A produção foi ovacionada de pé por cerca de 9 minutos em sua estreia em Cannes.
Inspirada em sua experiência na prisão, a trama se volta a um grupo de ex-detentos que sequestram um homem, acreditando que ele os torturou. Soterrados pela incerteza, enfrentam um dilema moral e refletem sobre o preço da vingança. Misturando momentos de tragédia e comédia, Panahi constrói uma poderosa crítica à violência estatal normalizada no país.
Sobre como o trauma pós-prisão atravessa sua vida e obra, declarou em entrevista à revista Film Comment: “Você é libertado da prisão menor, mas ainda está em uma prisão maior e ainda completamente assombrado pela experiência, e qualquer coisa pode te trazer de volta àquela memória.”
Jafar Panahi é discípulo do renomado diretor Abbas Kiarostami, de quem foi assistente no início de sua carreira, nos anos 1990. No Festival de Cannes de 1995, ganhou o prêmio Caméra d’Or, destinado a cineastas estreantes, com seu primeiro longa-metragem, “O Balão Branco” (1995), roteirizado por Kiarostami. Após o falecimento de seu mentor, em 2016, afirmou: “Kiarostami, meu professor, ensinou-nos a ver as coisas da nossa forma, única e diferente.”
Jafar Panahi se firma como uma figura central no novo cinema iraniano. Sua filmografia é politicamente carregada: com narrativas simples e personagens complexos, ele expõe a realidade social do Irã, tecendo críticas ao regime autoritário. Destaca-se por dar visibilidade às condições femininas, retratando as dificuldades e injustiças de ser mulher no Irã contemporâneo.
Seu posicionamento político o levou a enfrentar diretamente as autoridades de seu país. Em 2010, foi condenado a seis anos de prisão por apoiar e registrar protestos contra o governo, mas foi libertado sob fiança após dois meses. Na mesma sentença, Jafar Panahi foi proibido de produzir filmes e de deixar o país por um período de 20 anos. No entanto, a condenação não foi suficiente para silenciá-lo — pelo contrário, impulsionou-o a reinventar sua forma de fazer cinema, criando estratégias para contornar a censura.
Logo em 2011, enviou clandestinamente o filme “Isto Não É um Filme” para o Festival de Cannes em um pendrive dentro de um bolo. A obra foi filmada enquanto estava em prisão domiciliar e retrata um dia de espera pelo desfecho de sua sentença. Em 2022, foi detido novamente após protestar contra a prisão de colegas cineastas, sendo libertado sete meses depois, após iniciar uma greve de fome.
Durante os anos de repressão, continuou a dirigir filmes e acumulou prêmios importantes, que não pôde receber pessoalmente. No filme “Táxi Teerã” (2015), vencedor do Urso de Ouro em Berlim, Panahi se transforma em taxista e, entre conversas com ageiros em movimento, retrata o Irã real. Filmado completamente dentro do carro, o diretor conseguiu esconder a produção das autoridades.
As obras de Jafar Panahi, com seu teor político incontornável, soam como um grito de uma nação por democracia. Mesmo sob proibição e arriscando sua vida, nunca deixou — nem deixará — de criar: “Estou vivo enquanto estiver fazendo filmes. Se não estou fazendo filmes, o que acontece comigo não importa mais”, declarou em entrevista à AFP. Seus filmes são como uma carta de amor ao cinema e aos iranianos, que seguem lutando.